Espelho meu.



Pediste-me, um dia, que te escrevesse uma carta. Mas já te escrevi tantas. Escrevi-as dentro da minha própria cabeça, sabes? E já rasguei mais do que aquelas que consegui completar. Custa-me tanto falar daquela que eu matei.



 Lembro-me de ti todos os dias. E tu sabes bem disso, agora atormentas-me a cada respiração, continuas a insistir que me lembre mais ainda, principalmente quando vejo a casa, quando te reconheço em todos os cantos e nas paredes dos quartos, sabendo o quanto isso me perturba! Os teus olhos, mesmo que negros, ofuscavam a luz do sol; a forma como tu dançavas sozinha completamente descoordenada, completamente feliz. Como é que eu não me apercebi? Como é que não me apercebi que hoje estaria aqui, quase enforcada pelo nó que tenho na garganta, a tentar escrever para ti. Abrenúncio puro. Como me tornei nojenta; como me tornei impura e desgastada pelos dias que me rasgam. Não tolero quando me atravessas a vista num simples vulto daquilo que foste.



Desculpa todas as vezes que viste a tua pele sangrar. Mas eu só queria um alívio da dor que sentia. Agora, já não te tenho para fazer sangrar. Só me tenho a mim. Desculpa todas as vezes que enterrei a tua autoestima, com palavras, gestos, omissões, e lhe pus uma lápide em cima. Sei que era eu que te levava todos os dias para a frente do espelho e te dizia todas aquelas coisas horríveis. Só que tu vinhas sempre… Como deixaste que eu entrasse na tua cabeça? Agora, se estivesses aqui, pensarias no quanto fraca te sentias, por permitir que isso acontecesse. Sinto-me culpada por já não estares aqui. Tinhas um cabelo lindo, finos fios de ouro que o vento adorava acariciar. Ah, só que deixei-te a pensar no quanto era banal (ou pior) tudo o que possuías e deixava-te a definhar, obcecando-te nessa ideia o resto das horas que não passavas à minha frente.



Tu eras lindíssima. Uma menina inteligente, com todos os sonhos do mundo na palma da mão, com um coração que batia mais convicto do que as ondas que batem nas falésias. Teu sorriso era inigualável e o teu espírito indomável era fascinante, até que… Eu to quebrei.



Já não te tenho e tudo o que me resta de ti sou eu. Um reflexo sem objeto, uma mera memória daquela que outrora foste. Perdoa-me as atrocidades que te fiz.

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