A paragem de Brockley.

Olá, Zé. Sou eu, outra vez. 

Estou em Londres agora. Não imaginas, Zé, logo mal cheguei, o quanto eu me apaixonei por esta cidade! Mas foi só tesão de primeira vista, Zé. Hoje, sentei-me num banco, no meio do coração palpitante da cidade. Mas não vi coração nenhum, Zé. Não livre, pelo menos. Oh, Zé, tinhas que ver... Aqueles olhares vazios, aquelas bocas cerradas como se alguém os tivesse proibido de falar, imagina bem, Zé, expressão de opinião proibida por falta de tempo! Não entendo. E estes corações engaiolados, têm tabuletas, que dizem "não alimentar". Mas são corações tão magrinhos, Zé...

Todos os dias, passo por uma senhora, a caminho do comboio. Não lhe sei adivinhar a idade, Zé, já vi o que o tempo e a falta de carinho fazem a uma pessoa... Ela está sempre ali, Zé, todos os dias que cá estive e por ali passei, ela está e fica, ali sentada. Quando passo, não olho para ela, Zé. Que vergonha de mim. Tentei, Zé, numa manhã. Mas aqueles olhos frios, de um azul mais vivo que todo o seu parecer, ai. Parece que tenho medo, Zé, que ela me leia por dentro, que veja a pessoa duvidosa que talvez seja e que se esconde, nos cantos da minha alma, sem que eu saiba. 

Não a vejo a pedir, Zé. Não a vejo a proferir uma única palavra. Agora que me questiono, será muda? Deve ser horrível. Deve ser por isso que os seus olhos são tão frios, Zé. Não poder comunicar todos os seus medos, como devem estar ali, todos amontoados. Oh, querido Zé... Achas que é isso? Ai, que vergonha grande tenho de mim. Ou então, será que a timidez que ela sente, Zé, depois de tudo o que passou, ter de pedir um pedaço de pão na rua, a sobrecarrega? Até a mim, Zé, quando a timidez me sobrecarrega, falham-me as palavras e as ações. Mas mantenho a boca cerrada, com olhos inexpressivos, como se não fosse nada. Sabes, Zé, afinal talvez compreenda os londrinos. Também tenho uma tabuleta, já há algum tempo. Porque se não tiver, talvez acabe como aquela senhora, Zé, sentada de coração aberto. 

Amanhã, Zé, vou comprar pão. Vou-me sentar com ela. Meu coração tem fome. E sabes que mais, Zé? Pode ser que, pelos olhos dela, venha a amar esta cidade.