"Quem canta, seus males espanta".
Hoje senti uma sensação, uma mistura de sensações, que já não sentia há tempos que me pareceram séculos.
Recebi uma mensagem. Era um pedido arriscado mas não tinha nada a perder. Cederam-me permissão e saí de casa.
Entrei numa zona, tão conhecida à luz do dia, mas à noite, sem qualquer tipo de iluminação, parecia que se contorcia à minha volta e dava origem a uma caixa apertada. Senti uma adrenalina percorrer-me o corpo todo, chegando à ponta dos meus dedos e às minhas pernas com leves picadelas. Peguei no telemóvel e acedi à aplicação de lanterna e apontei para o caminho. Ainda mais adrenalina me deu ter feito isso, fez-me lembrar um jogo chamado "Slender" (é um jogo de terror de cortar a respiração), o cenário acelerava-me o coração, não com medo mas com excitação, sensação de aventura: as árvores à minha volta, o silêncio inconfortável que me rodeava e que tornava o céu suspenso longe de mim pesado, o barulho das areias que se moviam à medida que eu dava cada passo, ramos a partirem de repente. Caminhei naquele curto e pequeno caminho no meio da mata.
Cheguei à zona de estrada iluminada, olhei o traço largo de alcatrão que se estendia à minha frente, iluminado apenas com pequenas manchas que vinham de postes de luz distanciados exageradamente, e sorri, não sei porquê, mas sorri. Pus música e fui caminhando com os phones nos ouvidos, sempre com o mesmo sorriso. A meio caminho, lembro-me de um atalho que atravessara há uns anos atrás, junto a um pequeno riacho, no meio de vinhas, campos e matas. O caminho era de terra batida, com muitos sobressaltos, pedras e extremamente estreito. Fiquei a pensar se devia ir por ali, se não era perigoso demais, se algo me acontecesse, eu não teria hipóteses de fugir nem ninguém por perto para me ajudar. Isso fez meus pés orientar-se para esse caminho, precisava de injecções emoções fortes.
Tornei a aceder à aplicação de lanterna. Mas aquilo ainda era mais escuro que o primeiro caminho, já era considerado um trilho feito pela frequência com que (provavelmente tractores pequenos e carrinhos de mão) passavam lá. Parecia que via a preto e branco. Pouco distinguia, quase nada a não ser terra, pedra e ocasionais montes de ervas e plantas silvestres. Era um barulho alto de grilos que preenchia o ar. Mais nada. Uma dezena de passos mais à frente, comecei a ouvir mais um barulho. Reconheci ser o riacho. O que me confirmou a resposta foi o fedor que começou a pentear ao de leve o ar. Passei o riacho, segui em frente, espreitando ocasionalmente por cima do ombro, sempre com os sentidos aguçados, captando e identificando todo e qualquer som ou cheiro que me sobressaltasse. Cheguei à festa, a pessoa que me convidou tivera um imprevisto. Mandara sms a outra que tinha quase a certeza que estava disponível e até já lá estaria. Tiro e queda. Passei a festa com essa pessoa, aos pais e o namorado. Tudo na paz, foi um tempinho bem passado. Chegou a minha hora de ir embora.
Estava a sair da festa e a interrogar-me mais uma vez se deveria voltar pelo caminho de onde vim. A resposta que vinha do meu subconsciente era positiva, sem sombra de dúvida. Desci a estrada ainda alcatroada, senti o calor que se sentia a passear nas correntes de ar, ainda bombeava a batida da música, que saía demasiado alta das colunas, dentro do peito mas que diminuía de intensidade à medida que me afastava do recinto. Cheguei à entrada de terra batida e um carro, com um homem a falar ao telemóvel e a olhar para mim, estacionou mas permaneceu ligado. Senti receio. Não pânico, ou medo, mas receio. Talvez estivesse a arriscar demasiado. Não me impedi, segui em frente, mas em passo ligeiramente mais acelerado do que da primeira vez.
O meu subconsciente estava completamente agitado. Ouvia coisas que provavelmente nem existiam. E fiz algo que já me tinha esquecido: comecei a cantar. Primeiro timidamente, baixinho, murmurava mais do que cantava. Depois, cada vez mais abertamente. Sentia o fôlego a desaparecer, devido à velocidade com que caminhava, mas a acompanhar sentia meus receios desistirem de mim também. Cheguei à saída e já estava a cantar, sozinha e no meio da estrada, a tocar a minha guitarra imaginária ao som de "monster - skillet". Quem passasse acharia que estava maluca. E estava, mas ligeiramente, fora da minha natureza. Ou talvez esta seja a minha natureza que estava contida dentro de mim há demasiado tempo e que hoje quis dar sinais de renascer. Andei, andei, andei, dancei, andei mais um pouco, comecei a pular no meio de nenhures. Cheguei de novo ao caminho escuro inicial. Sorrindo, pus a música ao máximo e corri pelo meio do caminho, sem ver para onde ia, confiando apenas nos instintos.
Chegando ao final e vendo já a luz de casa, pus as mãos aos joelhos e respirei fundo. Que saudade desta sensação. Liberdade.
Muito obrigada!
ResponderEliminarQue bela surpresa o teu blog. Parabéns! Adorei a imagem que conseguiste criar na minha cabeça, clara como um filme, com apenas as tuas palavras. E, sim, quem canta seus males espanta. E quando me encontro em situações dessas acabo sempre por fazê-lo! And it works ;)
Tu cantas bem por isso vale a pena :p
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